Muito se fala sobre os unicórnios brasileiros, um rol seleto de startups (Nubank, Ifood, entre outras) que atingiram um valor de mercado acima de USD 1 bilhão. Entre outros fatores, um ponto comum entre essas empresas é uma constante melhoria nos serviços digitais com foco nas necessidades dos seus consumidores. Ou então, olhando pela otica interna, aparentam ser empresas em que o marketing e tecnologia trabalham com alta sinergia.
No entanto, em muitas empresas grandes, essa integração ainda está distante da realidade, com ambientes onde as diferenças ficam acima de um dialogo produtivo. Você já ouviu frases como:
Eles não entenderam o que queremos de novo…
É normal projeto atrasar uns meses…
Fala direto com o fulano porque ninguém acessa o Trello…
Em caso positivo, sua empresa está ficando para trás.
A dura realidade é que – criar diferenciais de serviço com base em tecnologia – não é um problema que pode ser resolvido simplesmente com investimento. Um fluxo sadio entre marketing e tecnologia envolve aspectos culturais e processuais, além de capacitação técnica.
Ou seja, vão demandar mudanças de comportamento e, por consequência, devem enfrentar forte resistência. Em grandes empresas sempre há pessoas muito interessadas em mudanças, contanto que seja nas outras áreas.
Sem entrar em grandes movimentos de transformação digital, gostaria de dividir algumas práticas que qualquer empresa pode exercitar para melhorar o diálogo entre marketing e tecnologia.
1 – Especifique suas necessidades
Muitos profissionais de marketing estão acostumados a interagir com a áreas de criação e design, com solicitações muitas vezes vagas, do tipo:
Precisamos de um banner para divulgar o novo plano premium.
Quero uma imagem para Facebook do nosso produto em promoção.
A mentalidade por trás desse tipo de demanda é que – com uma versão inicial da entrega – fica mais fácil definir os ajustes depois. Algo na linha “me mostra alguma coisa para eu decidir o que eu quero”.
Ou seja, é uma abordagem preguiçosa, que quando aplicada em uma demanda de tecnologia – onde os projetos tendem a ser mais complexos e técnicos – gera resultados desastrosos. Pode-se passar meses sem as duas áreas sequer terem um entendimento comum de onde se quer chegar.
Logo, evite solicitações como:
Implemente uma solução de dashboards com todos os nossos dados.
Trabalhe para entender bem o status atual e faça uma solicitação mais direcionada:
Implemente a ferramenta integrando dados do Google Analytics, sistema de call center e dados de pós-venda do CRM. Por hora, vamos deixar de lado as integrações com as ferramentas de mídia. Segue uma lista de métricas e relatórios que queremos automatizar…
O profissional de marketing precisa parar de falar das suas ideias e começar a especificar suas necessidades. Todo o esforço investido no briefing gera uma economia exponencial de esforço na entrega, a hora do desenvolvedor não é barata, faça ela valer!
Evidentemente, não deixe de praticar o mesmo exercício com a área de design e criação 😉
2 – Entenda o lado técnico e revise o escopo
Negociar o escopo é algo muito diferente de pressionar o prazo. Ao ter uma especificação detalhada será bem mais fácil entender o esforço de cada parte do projeto.
No exemplo acima – das 3 fontes de dados – é possível que integrar 2 delas consumam 20% do esforço. Abrir mão do escopo pode ser uma decisão madura do gestor para ganhar prioridade e velocidade.
O valor de uma entrega e o esforço para desenvolve-la nem sempre estão relacionados: muitas vezes aquela funcionalidade menos importante é justamente a que vai dar mais trabalho para os devs. Sempre entenda porque certos esforços são maiores ou menores: também é confortável para um técnico não se aprofundar em justificativas, colocando frases como “o sistema não permite” ou similares.
Você não precisa ser um mecânico para saber em grandes linhas que o problema é um pneu furado ou troca de fusível. Uma boa regra é nunca aceitar uma explicação que você não consegue entender.
Qualquer questão de tecnologia pode sim ser colocada em termos menos técnicos: entenda, converse e reavalie até ambos lados tenham clareza da situação. E falando em conversar…
3- Comunicação é chave
Grande parte do desentendimento entre marketing e tecnologia se dá pelas diferenças de perfis entre os profissionais. O profissional de marketing tende a ter uma natureza mais comunicativa e pode exteriorizar suas aflições com mais frequência. Já o tipo de trabalho em tecnologia demanda alto foco e profundidade técnica, frequentemente trazendo um perfil mais introspectivo.
É muito importante que esses dois profissionais se encontrem no meio do caminho para alcançar uma relação saudável. A necessidade de desenvolver “soft skills” – particularmente a capacidade de deixar outras pessoas a vontade e abertas ao dialogo – nunca esteve tão em voga.
Por exemplo, há alguns anos atrás, na ansiedade por entregas, sempre propunha prazos para um certo profissional de TI:
Isso dá para entregar em duas semanas né?
A resposta era sempre positiva mas os prazos nunca eram cumpridos. No entanto via o esforço do dev: trabalhava até tarde da noite para entregar alguma coisa em 2 semanas. Nem de perto era má fé ou falta de empenho: era simplesmente um perfil que evita os menores conflitos (as vezes, evidentemente, causando conflitos maiores).
Esse foi um aprendizado valioso: hoje só proponho prazos de entrega para dinâmicas que tenho conhecimento técnico suficiente para estimar o esforço. Com TI geralmente vou perguntar algo na linha de:
Se você focar 100% nesse projeto, em quanto tempo estima que consegue entrega-lo?
Uma diferença comum que as vezes passa desapercebida é que o profissional de marketing está habituado a interrupções constantes no seu trabalho e costuma gerenciar diversas tarefas de forma simultânea (uma apresentação, responder uma mensagem, ler um artigo…). Por conta disso as vezes deixa de respeitar uma máxima de tecnologia: nunca interrompa um dev enquanto ele está codando.
Salvo em emergências, respeite os rituais e canais estabelecidos de feedbacks.
Obs: um diferencial sempre interessante para o profissional de marketing é saber ao menos o básico de programação, facilita muito a comunicação.
4- Gestão de projetos
Startups podem pecar pela falta de processos, ao passo que empresas grandes tendem a pecar pelo excesso deles. Otimizar o fluxo de trabalho é uma das tarefas mais importantes de um gestor e nunca pode ser negligenciada: é o que gera o melhor ROI no longo prazo.
Não falta conteúdo sobre o assunto: muito se fala hoje em dia em gestão ágil, squads, scrum e uma série de metodologias para tornar a gestão mais eficiente. Qualquer que seja seu método fique atento para:
- Ter um backlog e visão dos projetos em andamento em formato acessível.
- Processos claros de priorização e revisão das entregas.
- Formalização dos deploys e clareza do que foi alterado (é o tipo de informação que facilita muito o entendimento de uma alteração nos resultados).
- Ter (e usar) uma ferramenta de gestão de projetos (Trello, Jira, etc) já não é mais diferencial, é pré-requisito.
5 – Pense no estruturante e converse sobre o futuro
Certa vez trabalhei com uma empresa que tinha dezenas de sistemas e bancos de dados para um mesmo produto. Era um verdadeiro pesadelo: informações duplicadas, integrações frágeis, bugs constantes…
Chegou nesse ponto porque cada nova ideia era encarada com um mindset de varejo: “vamos fazer para ontem”. E por algum tempo funcionou: os projetos eram entregues com velocidade. Mas conforme a empresa cresceu, a conta chegou: sabe aquela casa que – se você der a descarga errado – a pia da cozinha estoura?
E o pior: as soluções “puxadinho” não estavam documentadas e o conhecimento muitas vezes estava com pessoas que já tinham saído da empresa. Daí será necessário tomar decisões difíceis para recomeçar do zero, em projetos que podem levar anos para se concluírem.
É comum para o profissional de marketing focar mais nas entregas que gerem valor imediato mas não deixe de ter conversas acerca da estrutura com tecnologia. Entenda as necessidades de hoje e as necessidades potenciais do futuro – para ter soluções que vão ser eficientes e estáveis no longo prazo.
6- Visão do negócio
Um bom briefing é muito importante para se alinhar o que vai ser entregue. Mas tão importante quanto isso é mostrar o valor das entregas.
Certa vez tive um problema com uma equipe de tecnologia: estavam com prazos apertados para muitas entregas – e isso afetava a prevenção e resolução de bugs. Eu já estava em modo pessimista e repetia um jargão: se o site atual seguir caindo desse jeito não vamos precisar de um novo!
Afinal – depois de mais um bug – botei as coisas na ponta do lápis. Estimei o volume de leads que deixamos de gerar, o quanto isso gerava de ócio na equipe de vendas e o investimento adicional em mídia para compensar o período de inatividade. A conclusão:
Esse bug nos custou cerca de 15 mil reais.
Ao apresentar o número a equipe afinal entendeu a proporção do problema: o aspecto monetário – para o bem ou mal – é uma linguagem universal (se quiser entender mais sobre esse tipo de conta confira aqui como se tornar mais data-driven)
A ideia não é trazer sempre as questões para o financeiro (mesmo porque nem tudo é passível desse tipo de quantificação) mas aprendi que, ao lidar com perfis técnicos, é ainda mais relevante assegurar a compreensão dos objetivos e o valor das entregas (coisa que um olhar viciado pode classificar como intuitiva ou evidente).
Um mesmo problema pode ter múltiplas soluções e ao colocar o foco no objetivo será muito mais natural para os devs serem pró-ativos e realizarem entregas diferentes e mais eficientes.
Conclusão
Muito se tem falado na necessidade das empresas “inovarem”, o que para muitos profissionais de marketing se traduz em ter grandes ideias. No entanto, nos dias de hoje, são bem altas as chances de você precisar de tecnologia para implementar qualquer pequena melhoria, que dirá uma grande ideia.
As empresas que estabelecerem um diálogo produtivo entre marketing e tecnologia serão aquelas que não vão se abater pelas startups disruptivas – e terão seu lugar na mesa da nova economia.
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