Nunca se exaltou tanto a importância da inovação e da mudança, ouvimos o tempo todo: a mudança é a única constante, não fique confortável, o novo vai chegar, etc. A mensagem dessa filosofia é “esteja preparado para o que der e vier”.
E sem dúvida esse é um bom conselho para os dias atuais, onde uma startup pode aparecer do dia para noite e causar disrupção no seu mercado, no melhor estilo Airbnb (na verdade costumam ser muitos anos de trabalho para uma startup “acontecer” mas parece que foi do dia para noite).
Existem dezenas de motivos para uma empresa ficar para trás e não se adaptar. A responsabilidade tende a cair para a cultura: seja uma cultura corporativa de burocratização ou ainda com de startup de desorganização extrema.
Em todo caso eu gostaria de falar hoje de um suspeito pouco usual: o planejamento de metas. Ao passo que o bom planejamento costuma ser palpável no momento de sucesso (“a gente sabia onde queria chegar!”), é difícil ouvir o contrário “a gente se planejou demais nesse projeto”.
Eu já passei pelo exercício de fazer uma meta anual ou mensal de vendas mais vezes do que consigo lembrar. Foram pouquíssimas vezes que o resultado ficou próximo do estimado nas metas anuais: ou bati minhas metas com alguma folga ou deixei de entregá-las. Lembro-me bem de uma vez que tinha que elaborar uma meta anual para um cliente, somente para campanhas de busca do Google Ads. Levei em conta os seguintes fatores:
- Curva de sazonalidade do mercado e calendário promocional
- Situação da concorrência nos últimos meses.
- Crescimento médio que observamos ao longo do ano anterior.
O plano foi reprovado pelas premissas estarem muito simplistas. Eu levei em conta as críticas, abracei o desafio e fiz um exercício mais sofisticado, levando em conta também:
- O planejamento comercial do cliente para o ano. Quais seriam os novos produtos e categorias e o quanto isso poderia se traduzir em novas campanhas (busca paga para e-commerce depende bastante do tamanho do inventário de produtos).
- Isso me levou a segmentar a evolução: ao invés de olhar para o total veria o resultado por campanha, levando em conta a sazonalidade mesmo de categorias menores.
- Estimativas do Google para crescimento de buscas de cada categoria para o ano seguinte.
- Isso me levou a estimar CTR, CPC médio, impressões e outras métricas ao invés de somente investimento, receita e ROI da primeira análise.
Essa segunda análise levou pelo menos 4 vezes mais tempo do que a primeira. Foram dias acertando fórmulas no Excel, correlacionando planilhas e ficando meio doido quando uma conta não batia. Ao final apreciei bastante o exercício: havia feito uma conta mais defensável e sofisticada.
A diferença no resultado do primeiro para o segundo exercício? Algo em torno de 3%. Juro. Entre uma estimativa boa mas com alguma dose de simplificação e outra bastante criteriosa a diferença foi 3%. Foi a comprovação da máxima: o bom é inimigo do ótimo.
No final das contas o diretor insistiu que a taxa de crescimento tinha que ser 20% mais alta, sem perda no ROI. Então me resignei na pior solução: bolei as premissas para chegar em um resultado pré-estabelecido.
Acredito que não seja o único que já tenha saído com essa pulga atrás da orelha:
Ora, se ia fazer um top-down da meta, por que diabos passei 3 semanas criando racionais e expectativas realistas?
Nada disso fez diferença claro: nenhum dos números que traçamos nas 3 versões do plano seria atingido e a meta foi revista em março. No final das contas o volume de buscas não aumentou de acordo com as previsões, as novas frentes comerciais não avançaram e para piorar a concorrência entrou com mais força (o que sempre é um movimento difícil de prever).
E ao não bater a meta você tem que trabalhar dobrado: metade do tempo para fazer o resultado mudar e a outra metade para explicar porque o resultado não está bom. E se você não tem uma cultura de hora extra considere qual metade sua equipe vai escolher para fazer (normalmente será a segunda).
E mesmo nesse momento em que o plano deu errado ainda não percebemos que o erro foi o plano.
Mas você pode estar pensando: não tem problema, porque vamos traçar vários cenários, dessa forma não vou ser pego de surpresa. Um com investimento 30% mais alto, 3 cenários de inflação e outro se a conversão aumentar 10% com o site novo que vai subir em abril (novembro). Então vou ter 12 cenários diferentes, não vou ser pego de surpresa! Não ser pego de surpresa, claro, é uma ilusão.
Estou exagerando, mas quem já passou sabe a frustração de sair de uma reunião em que o diretor decide que precisa de mais cenários após ver o plano. O papel do diretor nesse caso se resume a de um cliente caprichoso em um restaurante, escolhendo em um menu a sobremesa que lhe parece mais apetitosa.
Ao gestores: guarde sua reação emocional para quando sua equipe fizer uma bobagem, não quando as coisas não correrem como o planejado (sim, são coisas diferentes). Conferir se os números e os projetos seguiram conforme o esperado por si só não é indicativo de um trabalho bom ou ruim, a realidade é mais complexa.
E principalmente: não banalize a pressão, faça seus funcionários trabalharem pelo resultado e não para calibrar as suas expectativas de resultado.
Não estou dizendo para não ter uma meta anual ou não ter organizado os projetos da sua área. Claro que são coisas importantes, principalmente se feito com agilidade. Se seu mercado tem um calendário promocional forte é evidente que você precisa ter um plano para melhor aproveitá-lo.
Em todo caso, elenco 6 pontos de atenção:
- Você pode ter metas mais ou menos desafiadoras. Isso vai muito do seu estilo de gestão (e não precisa pegar leve: pressão nos momentos certos gera ação). Mas a ideia que a principal função da gestão é aprovar e cobrar metas e projetos está bastante antiquada. Seu papel é fazer sua equipe produzir de forma eficiente, não se restrinja a atuar como um alarme configurado para quando o número estiver baixo – válido principalmente para quem trabalha em varejo.
- Melhor cobrar boas explicações acerca do que ocorreu no mês anterior do que cobrar porque não foi como o planejado.
- É preferível não ter metas do que passar pelo exercício de recalibrar e rediscutir todos os meses a meta para o restante do ano. Em todo caso se a meta ficou muito fácil ou muito difícil por 3 meses seguidos, vale repensar.
- Você tem que saber quais são os principais fatores que impactam na sua conversão e interesse pelo seu produto (câmbio, inflação, copa do mundo, natal, etc). Assim, o exercício de estimar como eles irão se comportar no ano seguinte não deve ser algo demorado. Se você precisa descobri-los na hora do planejamento, tem algo errado.
- O objetivo das metas não é atingi-las. Nem deixar o CEO mais tranquilo. O objetivo é fazer a equipe produzir de forma mais eficiente, integrada e focada.
- No momento em que as áreas ou pessoas estiverem responsabilizando uma às outras pelo resultado ruim, pode ter certeza que a energia está indo para o lugar errado e que você tem um problema maior do que não atingir as metas. Bem maior.
No final das contas gosto de pensar assim: o plano é uma direção, não um mapa. A direção se define rápido quando se sabe onde se quer chegar, o mapa a gente leva horas desenhando. A direção eu acerto com uma bússola. Já o mapa eu fico olhando, tentando comparar onde estou com onde eu deveria estar, pensando se passamos ou não do posto de gasolina (existem metodologias como OKRs que auxiliam muito a desenvolver esse tipo de mindset).
Em algum lugar tem uma startup que não está perdendo tempo com ilusões de controle e ela vai fazer você perder seu emprego em dois anos. Do dia para a noite!
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